Deficiência Auditiva

10-10-2013 17:02

 

A Surdez

A surdez, de acordo com a perspectiva clínica, significa uma deficiência auditiva que resulta de uma lesão no aparelho auditivo, e por esse motivo, a pessoa fica impossibilitada de ouvir. Numa perspectiva cultural, alguém que é surdo pertence a uma comunidade minoritária linguística e culturalmente.

 

Existem vários tipos de surdez, de acordo com os diferentes graus de perda de audição. De acordo com o Departamento de Educação Básica, “existem três tipos de surdez: (i) de transmissão, referente a um problema do ouvido médio e/ou externo, na maioria dos casos temporária; (ii) neurosensorial, referente a um problema do ouvido interno e/ou nervo auditivo, de carácter definitivo; (iii) mista, referente a uma conjugação dos dois tipos de perda. O grau de surdez é definido em: (i) ligeiro (perda média entre 20 e 39 dB), (ii) moderado ou médio (perda média entre 40 e 69 dB); (iii) severo (perda média de 70 a 99 dB); (iv) profundo (perda superior a 100 dB)”.

 

Aquisição da linguagem

 

A linguagem refere-se ao conjunto de sinais com os quais os humanos comunicam e expressam os seus sentimentos e ideias. Ela permite-nos estruturar o nosso pensamento e é fundamental na construção da nossa identidade. A palavra configura e é veículo de transmissão do pensamento.

 

As crianças ouvintes aprendem a língua de forma semelhante e num curto espaço de tempo. Algumas crianças apresentam, no entanto, dificuldades na aquisição da linguagem oral, e esta tem a ver sobretudo com problemas de percepção auditiva. A criança desenvolve a linguagem oral através da apropriação de um sistema linguístico não consciente, e começa a utilizá-la, segundo Goldfeld(1), “com a função de comunicação, por volta dos dois anos de idade” (Goldfeld, 2002, p. 59). A mesma autora refere que a fala egocêntrica “marca o início da função comunicativa da linguagem em nível intrapsíquico. Nesse momento, o pensamento e a linguagem passam a ser interdependentes. A linguagem começa a organizar e a orientar o pensamento da criança” (Ibidem).

 

Ao longo do seu desenvolvimento, a criança passa por diversas mudanças, nomeadamente ao nível da aquisição da linguagem. Por seu lado, o desenvolvimento da criança surda pode ficar segmentado, na medida em que ela não fará a aprendizagem da linguagem de forma espontânea.

 

É preciso termos a noção de que a criança adquire competências comunicativas por estar exposta a ambientes comunicativos e não porque as mesmas lhes sejam ensinadas.

 

Se uma criança surda tiver pais surdos que utilizem a língua gestual desde o nascimento, é certo que o desenvolvimento dessa língua será feito de modo análogo ao do desenvolvimento da fala em crianças ouvintes. Para estas, a língua materna será perfeitamente adquirida no seu contexto familiar. Por outro lado, as crianças surdas cujas famílias são ouvintes correm o risco de se verem privadas da linguagem no início da vida e nesse sentido, são incapazes de aprender aquilo que está à sua volta. 

 

Convém estarmos atentos a alguns sinais que nos poderão conduzir até ao diagnóstico de uma possível surdez, como por exemplo, o facto de a criança:

 

- não reagir a barulhos fortes;

- não procurar, com os olhos, a origem de um determinado som;

- não responder à fala dos pais ou não atender a solicitações;

- não imitar sons e palavras simples;

- gesticula para obter a satisfação das suas necessidades;

- …

 

Em contexto educativo, o professor deverá observar a criança atentamente. Deverá estar particularmente atento à forma como ela reage aos sons e se utiliza gestos para comunicar.

Na presença de uma criança surda, o professor deverá estar mais sensível para determinadas questões no âmbito da sua actuação pedagógica. É fundamental que o professor sempre que fale com a criança estabeleça o contacto ocular e que espere que a criança olhe para si, devendo o rosto da criança estar ao nível do rosto do professor.

A criança surda deverá ser, sempre que possível, estimulada por um professor surdo e por outro ouvinte, em fases diferentes. Seria de todo conveniente que a criança tivesse sempre o apoio destes dois professores, para além de outros profissionais igualmente importantes para a sua reabilitação. As crianças da turma também devem ser informadas de que têm um colega “diferente” na turma, e nesse sentido, o professor deverá explicar-lhes o que é a surdez. É essencial consciencializar as crianças que o colega da turma não ouve nem fala como eles, mas que com o tempo é possível vir a estabelecer com ele uma comunicação efectiva.

Na sala de aula, a criança deverá estar sentada num local em que possa ver bem o professor, condição fundamental para poder fazer a leitura orofacial do mesmo. A utilização de recursos visuais pelo professor será uma mais-valia com vista a facilitar a compreensão e as aprendizagens da criança. este deverá, na medida do possível, traduzir para as crianças ouvintes aquilo que a criança surda quis transmitir através da língua gestual. Ao utilizar a fala, o professor deverá ter movimentos labiais bem definidos, ao mesmo tempo que usa expressões faciais ou movimentos corporais.

Durante todo o processo de ensino-aprendizagem, é importante que a criança surda esteja ao corrente de tudo o que se passa. Toda e qualquer tentativa de comunicação por parte da mesma deverá ser sempre aceite pelo professor e pelos colegas. Do mesmo modo, será igualmente de extrema importância o estabelecimento de relações afectivas entre o professor e a criança surda, tais como o carinho e a amizade, fundamentais para uma interacção mais positiva.

 

(1) GOLDFELD, Marcia (2002). A criança surda. Linguagem e cognição numa perspectiva sociointeraccionista. Brasil. São Paulo: Plexus Editora

 

Língua Gestual

Nos dias que correm é comum ouvirmos erradamente nos mais diversos contextos a expressão “linguagem gestual”. Em Portugal, o termo correcto é “Língua Gestual” e refere-se à língua materna de uma comunidade de surdos. É igualmente comum pensar-se que a língua gestual é universal; no entanto, existem diferenças entre as várias línguas gestuais, cada qual com o seu vocabulário e gramática próprios. No Brasil, por exemplo, a língua gestual é a “Língua Brasileira de Sinais” (Libras).

A Constituição Portuguesa, na sua 4.º Revisão (1997) reconhece o direito da Comunidade Surda a usufruir da LP no âmbito da educação e da igualdade de oportunidades: “Proteger e valorizar a língua gestual portuguesa enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades” (Art. 74.º, n.º 2, alínea h).

Para as crianças ouvintes, a língua portuguesa é considerada a sua língua materna e a língua de escolarização. No caso das crianças surdas, a LGP será a primeira língua a ser-lhes ensinada. Acreditamos que a criança surda deverá ter direito a crescer num ambiente bilingue. O bilinguismo pressupõe que a LGP seja adoptada como primeira língua, devendo a criança aprender igualmente a Língua Portuguesa, para que possa ser bilingue e ter acesso à riqueza cultural e linguística que as duas línguas lhe oferecem. A Língua Portuguesa deverá ser adquirida na sua vertente escrita, e dentro do possível, na vertente oral. É fundamental que haja um equilíbrio na utilização das duas; no entanto, a língua gestual será aquela que assegurará uma completa comunicação desde que utilizada precocemente. A Língua Portuguesa, na sua vertente escrita, jogará um papel importante na aquisição de conhecimentos, já que a maior parte das aprendizagens da criança será feita a este nível.

O Decreto-Lei 3/2008, de 7 de Janeiro refere, no seu artigo 23.º, ponto n.º 1 que “A educação das crianças e jovens surdos deve ser feita em ambientes bilingues que possibilitem o domínio da LGP, o domínio do português escrito e, eventualmente, falado, competindo à escola contribuir para o crescimento linguístico dos alunos surdos, para a adequação do processo de acesso ao currículo e para a inclusão escolar e social. O mesmo decreto, no ponto n.º 12, menciona o facto de que “As crianças surdas, entre os 3 e os 6 anos de idade, devem frequentar a educação pré -escolar, sempre em grupos de crianças surdas, de forma a desenvolverem a LGP como primeira língua, sem prejuízo da participação do seu grupo com grupos de crianças ouvintes em actividades desenvolvidas na comunidade escolar”. No ponto n.º 15 do mesmo decreto, torna a enfatizar-se a questão de que deverá ser garantida aos alunos surdos “a aprendizagem e desenvolvimento da LGP como primeira língua e da língua portuguesa, como segunda língua”. Para que a inclusão da criança surda exista verdadeiramente, torna-se necessário que a própria família aprenda a LGP, já que ao não serem utilizadas as duas línguas em casa, estar-se-á porventura a negar a identificação da criança com os dois “mundos” a que pertence.

Em contexto educativo, e de acordo com o Ministério da Educação, o Programa Curricular de Língua Gestual Portuguesa “apresenta-se como uma obra única e pioneira que introduz uma prática inovadora e essencial no ensino bilingue de alunos Surdos”. Este programa tem por objectivo criar condições que possibilitem um desenvolvimento da LGP no aluno surdo que seja equivalente ao desenvolvimento da Língua Portuguesa nos alunos ouvintes. Com vista a garantir um maior acesso à informação e ao currículo, o programa reconhece a importância de professores Surdos e professores ouvintes conhecedores da LGP: “encara-se como necessária em todos os profissionais a competência em LGP, quer os implicados nas várias áreas de actividade da escola, que incluem o refeitório, cozinha, bar, papelaria, secretaria, quer o pessoal docente, o pessoal de apoio aos tempos extracurriculares, de apoio psicológico e de apoio social”.

 

 

Toda a criança tem o direito a desenvolver uma personalidade própria, única e inconfundivelmente sua. A partir do momento em que a criança se descobre a si própria, ela passará a descobrir o outro e o meio no qual estão inseridos. Neste processo de descoberta, o professor deverá actuar como facilitador das interacções da criança surda com o grupo de pares. Esta interacção é fundamental para que a criança surda enriqueça as suas possibilidades de comunicação e de expressão. Ao imitar aquilo que vê nos colegas, a criança surda estará a aprender quais os comportamentos adequados e aceites no seio do grupo.

 

Ao interagir com os colegas, a criança surda deverá ser tratada de modo igual. Tal como as outras crianças, ela deverá respeitar as normas e as regras sociais, pois apesar de não aprender através daquilo que ouve, ela aprende com aquilo que vê. Os comportamentos incorrectos deverão ser sinalizados imediatamente, podendo o professor expressar a sua desaprovação através da expressão facial e corporal. Pelo contrário, o reforço positivo perante comportamentos correctos deve ser utilizado logo a seguir, para que a criança consiga relacionar e associar com aquilo que fez.

 

Para que a criança surda tenha efectivamente sucesso na sua educação, será da máxima importância o diagnóstico precoce e o envolvimento dos pais. Estes deverão aceitar as limitações da criança no domínio auditivo e deverão ser, sempre que possível, apoiados pelos diferentes profissionais que os ajudarão relativamente à educação do filho.

O apoio aos pais e à família deverá ser sempre no sentido de os encorajar e de os envolver positivamente na educação da criança, criando-se circunstâncias favoráveis para o desenvolvimento harmonioso da mesma.

A aquisição de uma educação bilingue pressupõe o delineamento de objectivos essenciais como o facto de existirem professores ouvintes qualificados, além de todo um conjunto de acções de natureza governamental.

A inclusão da criança surda deverá acontecer num ambiente colaborativo e de partilha de actividades com as crianças ouvintes, e no qual todas as diferenças individuais sejam respeitadas, e sobretudo aceites.